Galpão 15
2002
Galpão 15, São Paulo, SP
Zona de Experimentação Temporária

Já em 1967 Hélio Oiticica assinalava, em seu Esquema Geral da Nova Objetividade, uma tendência para proposições coletivas no cenário artístico brasileiro. No contexto político de então uma prática que se fazia imperativa, foi gradualmente sendo amortecida com as transformações no plano social e político que o país atravessou, e mesmo alguns grupos de artistas surgidos posteriormente apontavam em sua configuração uma aproximação determinada mais por afinidades estilísticas que propriamente por motivações ideológicas e similares. Ao final dos anos 1990, porém, percebe-se uma grande incidência de iniciativas desse perfil brotando em diversos pontos do país, numa movimentação que se desenvolve em paralelo à proliferação de associações entre artistas.A conformação de um cenário cultural cada vez mais desalentador para a atividade artística, pouco afeito a estimular ou apoiar iniciativas desse gênero, parece ter sido um componente de forte influência na proliferação de coletivos mais e menos informais de artistas e espaços independentes em todo o Brasil. Certamente essa conjuntura não seria o único fator a justificar de forma absoluta e generalizada a existência e atuação de recentes agrupamentos de artistas surgidos no país; associações entre artistas tem sido, como se sabe, uma prática estratégica ou informal recorrente e prolífica desde há muito. Mas boa parte da movimentação que hoje se percebe como "à margem" do chamado circuito das artes parece ser de fato impelida pela necessidade comum de constituir uma frente alternativa para a esfera de inserção pelas vias institucionais - que pressupõem mecanismos de acesso nem sempre ao alcance da maioria. Por conta das dificuldades em acessar a esfera do chamado"circuitão" (museus e galerias de renome, salões de arte contemporânea e eventos de destaque na agenda cultural), o perfil de ação desses agrupamentos está muitas vezes associado à constituição de iniciativas que viabilizem frentes de atividade razoavelmente autônomas a essa situação.Uma dessas experiências se materializou com o projeto Galpão 15. Exemplo das possibilidades geradas pelas inquietações e iniciativa autônoma de um coletivo, este evento congregou, ao final de 2002, de artistas atuando em diversas linguagens e com diferentes trajetórias, reunidos sob uma mesma proposta: ocupar temporariamente um espaço semi-abandonado com sua produção. Imbuída de um espírito cooperativo nem sempre percebido em iniciativas semelhantes, a experiência do Galpão 15 chama a atenção não pelo caráter abnegado da empreitada, mas pela sobriedade e coerência da proposta, que adotou as características espaciais do local como fator definidor para sua ocupação - no que se configurou um saudável pretexto para um exercício de experimentação artística coletivo, desprendido da habitual pressão e das limitações (não apenas físicas) institucionais.O resultado não se configurou propriamente em uma exposição, numa acepção mais conservadora do termo, mas em um instigante e heterogêneo apanhado de intervenções que, cada qual à sua maneira, "achavam" seu lugar nas condições relativamente adversas do ambiente que as cercava. Temporariamente revitalizando e emprestando uma nova dinâmica à arquitetura austera do local, em princípio refratária a uma ocupação dessa natureza, esse conjunto de trabalhos permitiu entrever novas possibilidades para a ação artística. Só se lamenta o fato de eventos deste perfil parecerem fadados, no cenário cultural em que vivemos, a ter lugar sob circunstâncias usualmente precárias, condenando-os a existências tão breves - e nesse sentido se valoriza a pertinência de registros como o que esse catálogo constitui. Mas fica sempre a expectativa de que investidas como a do Galpão 15 possam impulsionar novas frentes de ação autônoma em arte no país - seja como alternativa à rigidez institucional ou como simples exercícios de experimentação coletiva.

Guy Amado