Fosso
1999
SESC Interlagos, São Paulo, SP
O espaço ruma em busca do corpo.
O corpo está em busca da linha.
A linha cria o desenho.
O desenho é o corpo.
O corpo que é arquitetura.
Desse jogo múltiplo de intenções se faz a obra de Renata Pedrosa. Em cada um de seus trabalhos, marcados por títulos que lhes atribuem um caráter sutilmente narrativo e autobio-gráfico, a artista articula um discurso sobre a formação da subjetividade. Inexoravelmente, ela toma corpo na construção de traços e espaços, delimitados pela escolha de materiais.
Seus veludos, fios de naylon, cabelos, costuras estão 1m-pregnados de corpo e de história. São histórias tênues, translúcidas, rarefeitas, que escorregam e escorrem pelas vias do imaginário. Comentam e clamam vida e desejo. Na verdade, constróem metonímias do desejo.
Os desenhos de Renata Pedrosa são revelações. Tornam-se uma forma de documentação subjetiva do desejo de imprimir fisicalidade às sensações e emoções resgatadas de algum nicho embutido na relação tempo/espaço.
Cumpleaños, série de doze desenhos, feitos com uma mistura de betume e pasta de cera, vaselina, carvão e caneta hidrográfica sobre papel de arroz, se abre ao observador como um leque sensorial, uma miríade de riscos, linhas e composições de tons beges e marrons, que faz ressurgir o tempo e recriar o espaço.
Ali riscos brotam de uma memória corporal de experiências acumuladas. São feitos de urgências. As linhas dos desenhos lembram membros do corpo humano, ou formas emocionais em busca de uma materialidade.
As formas longas, arredondadas ou entrelaçadas, lembram órgãos do corpo, sem nunca se afirmarem definitivamente como figurações. Nesse campo magnetizado por um amálgama entre figura e abstração aparecem, por exemplo, "pernas", que tocam um teto imaginado ao remeterem ao prazer sexual. Surgem ainda espirais, que aludem a uma pretensa forma feminina de construção do pensamento.
Posteriormente, essas linhas adquirem leituras afetivas, ganham rigor construtivo, e, finalmente, transformam-se em estruturas que conjugam sensações, pensamentos, emoções, formas, cores e movimentos.
Renata Pedrosa busca uma completitude. Busca um espaço, demarcado em sua corporeidade de formas e matérias, carimbado por rastros de memória onde a individualidade se funde com impressões miscigenadas de mundo.
No processo, se utiliza de um jogo sedutor de revela-escon-de. Eis a estratégia de Fosso. A instalação se apropria de buracos, cavados no chão. Cada um deles, de cima, recobertos de vidro transparente, convida à penetração vouyerista.
Oferece, de fato, a visão oblíqua de um chumaço de cabelos.Ajeitados na forma de um cone, eles têm seu ponto de encontro camuflado por uma grande pílula de vaselina branca, pastosa e úmida, centrada sobre cada fenda circular.
O cabelo e a vaselina são indícios de organicidade. Anunciam comentários sobre o espaço e o funcionamento do corpo.
Na aparente simplicidade de sua estrutura, Posso suscita fortes reações. Existe, primeiramente, um antagonismo de sentidos ligado à mera imagem do cabelo. Misto de sedução, em seu estado natural e exuberante recobrindo a pele do corpo, e, por outro lado, de repulsa e nojo, em sua forma de resto, acumulado sobre um ralo, o cabelo ali aparece com seus antagonismos intrínsecos.
A forma de seus flos que se afunilam se apropria de um movimento concêntrico, gerando a lembrança da feminilidade, remetendo à genitália e aos labirintos associados à fisicalidade da mulher.
Mas o final deste túnel é ibscuro. É misterioso. Provoca a curiosidade e testemunha a impossbilidade de resolução desses mesmos movimentos geradores de vida e de prazer. O fosso está entupido. E a morte sse insinua.

Katia Canton

(Performance: Renata Jesion)