Explendor
2021
Rua Mário, São Paulo, SP
com Wallace Masuko


Sobras
2019
Centro Cultural Barco, São Paulo, SP
O trabalho Sobras teve inicio com a exploração das ruínas industriais da Zona Leste de São Paulo. A ideia era buscar o resto, a sobra, o refugo das fábricas. A presença de vedações em grande parte das janelas das ruínas fabris indicou para uma associação formal entre fábrica e presídio. Iniciei com registros em vídeo digital, com enquadramento frontal, das janelas das fábricas. Posteriormente, tais imagens foram montadas em ordem aleatória em um programa de edição e depois registradas por um processo de gravação de tela. Durante esta gravação, a timelinedo programa de edição foi ora acelerado, ora desacelerado, criando variações no ritmo da sequência de janelas, intercaladas por imagens estáticas de arames farpados. Para enfatizar a associação entre fábrica e presídio, acrescentei a narração de um trecho do livro Os afogados e os sobreviventesde Primo Levi. O trecho escolhido discorre sobre o choque do ingresso dos prisioneiros em Auschwitze sobre o fenômeno intitulado pelo autor de “zona cinzenta”, uma zona de inter-relações com contornos mal definidos, que ao mesmo tempo separa e une os senhores e os escravos.
Para incluir uma reflexão sobre as condições de trabalho implícitas na relação senhor X escravo, busquei referir ao trabalhador precarizado dos tempos atuais e sua servidão indefinida. Recorri a um dramaturgo que conhece bem o desespero do homem moderno: Samuel Beckett. Escolhi a pantomima Atos sem Palavras II que explora uma dimensão interna do homem, o fato dele ser impelido por uma força compulsiva que nunca o deixará muito tempo na inação. Adaptei a pantomima de Beckett para uma ação que foi registrada com câmera de vídeo digital em duas tomadas, uma em grande plano e plano detalhe e outra em plano médio e em p&b, simulando o ponto de vista de uma câmera de vigilância.A associação dos três vídeos compõe o trabalho: as imagens das janelas arruinadas, com a narração entrecortada do ritual de entrada no campo de concentração, são apresentadas ao lado da representação da rotina diária de um trabalhador; ao mesmo tempo que, num monitor de 10 polegadas, o mesmo trabalhador é visto a distância. Assim articulados, expõem o deslocamento do trabalhador assalariado e controlado no interior das fábricas para o trabalhador precarizado, autogerido e monitorado, expondo as transformações nas relações do trabalho em tempos de capitalismo financeiro.

Renata Pedrosa

Terras
2018
Casarão 34, João Pessoa, PB
Terras é uma exposição da artista Renata Pedrosa composta por três trabalhos: Linha de Terra, Terras e Resto.
Linha de Terra é um trabalho criado especialmente para a Galeria Casarão 34 em João Pessoa. Trata-se de uma instalação composta de quatro fôrmas de taipa de pilão, com 70 cm de altura cada, construídas para ocuparem o espaço entre os seis pilares do salão principal.
As fôrmas, assim instaladas, tornam-se barreiras para a passagem de um lado ao outro do salão mas não impedem a visão do entorno. O título faz referência ao termo usado em arquitetura para indicar a linha a partir de onde serão levantadas as alturas de corte do plano vertical da representação gráfica de um projeto. Formalmente e conceitualmente as fôrmas vazias estabelecem relação com as impressões offset sobre papel jornal do trabalho Terras, fixadas diretamente nas paredes laterais do salão.
Terras é um trabalho composto de registros fotográficos de terras nuas, sem demarcações visíveis, que se encontram nas bordas, nas franjas das cidades. Uma seleção de cem imagens que mantém um enquadramento constante – a terra nua aparece na metade inferior da imagem, as zonas de vegetação, na área intermediária e, na parte de cima, o céu e as nuvens bem claras.“A motivação para criação de Terras está em reunir fotografias que mostram as bordas urbanas, as fronteiras na forma de terras vazias, imagens férteis para se pensar a cidade. Tais imagens são registros do solo que não pode ser visto na cidade, da terra que está por baixo das construções e que só está à vista nas limites urbanos. Assim reunidas compõem uma sequência de paisagens muito semelhantes entre si, uma repetição banalizada de terras, uma espécie de transgenia da imagem.” R.P.
O vídeo Resto, projetado na parede do fundo da galeria, foi criado a partir de imagens gravadas dos arredores do prédio que abriga atualmente o European Ceramic Workcenter (EKWC), uma fábrica desativada em Oisterwijk na Holanda. Em 2015 a artista participou de uma residência no EKWC e presenciou o processo de requalificação que convertia a antiga fábrica em um espaço dedicado à arte, gastronomia, serviços e moradias. Por esse motivo, o entorno do centro possuía resquícios do antigo uso: sucatas de máquinas e equipamentos fabris intercalados por montes de terra. Para compor o vídeo Resto foram feitas tomadas no local, ao longo de vários dias, e depois editadas com legendas em português extraídas de um trecho do filme O Cavalo de Turim (2011) do cineasta húngaro Béla Tarr.

(Press release)

Resto
2016
Galeria Virgilio, São Paulo, SP
Em sua quarta exposição individual na galeria a artista apresenta cinco trabalhos inéditos sendo uma instalação, dois trabalhos tridimensionais, um vídeo e uma série de desenhos.
A instalação Radar é composta de uma peça de papelão paraná e nove fotografias em preto e branco. A peça tridimensional tem dois metros de altura e reproduz a forma de um espelho acústico de concreto semelhante aos construídos no início do século XX para detectar a chegada de aviões inimigos durante a 1º Guerra Mundial. As fotografias que compõem a instalação são de aviões de papel suspensos sobre um fundo quadriculado, feitas a partir de negativos 6x6, digitalizados e impressos em papel couché no tamanho 100 x 100 cm,  colados diretamente nas paredes da galeria.
Também fazem parte da exposição os trabalhos Condomínio Pau a Pique e Nuvem Negra, ambos desenvolvidos durante uma residência no European Ceramic Workcenter (EKWC) na Holanda em 2015. São obras tridimensionais feitas a partir de um molde que reproduz paralelepípedos abertos na mesma textura e cor das construções de pau a pique. Em Condomínio Pau a Pique as peças são intercaladas por madeiras roliças compondo uma maquete na forma de um edifício colocada sobre vigas de madeira. Em Nuvem Negra os paralelepípedos estão fixados ao redor de uma forma orgânica, suspensa no teto e distante 250 cm do chão.
No vídeo Resto,que dá nome à exposição, a artista usa imagens gravadas dos arredores do prédio que abriga o European Ceramic Workcenter, uma fábrica desativada em Oisterwijk na Holanda. No momento da residência o centro de arte passava por um processo de requalificação e por isso possuía resquícios do antigo uso: sucatas de máquinas intercaladas por montes de lixo industrial. As imagens foram captadas ao longo de vários dias e depois editadas com legendas em português extraídas do filme O Cavalo de Turim do cineasta húngaro Béla Tarr.
A série Fumaça é composta de quatro desenhos feitos com pastel seco sobre papel que reproduzem manchas negras esfumaçadas nas bordas como índices de uma explosão.
(Press release)

Chão
2014
Galeria Virgilio, São Paulo, SP
Conto de Renata para uma Paisagem de São Paulo: Chão

Renata Pedrosa constrói com o seu trabalho a narrativa visual de um lugar específico da cidade de São Paulo: o chão. Seus desenhos e projeções deste podem ser vistos como operações de uma arquitetura real; e do contrário também. É possível pensar como seus desenhos contam uma mesma história. É como se Renata houvesse caminhado sobre o chão desse lugar específico da cidade que há anos observa.
Chão é uma exposição para se pensar em como e quando podemos ainda pisar no solo nu. Isto é, em um chão desnudo de construções de toda sorte nos impondo seus valores referenciais, significativos do sentido de propriedade e de mercadoria. Uma tarefa dificílima já que o tempo todo consumimos e somos consumidos pela ganância da produção capitalista.
Mas podemos?
Nesses trabalhos, que transitam do papel ao espaço expandido da tecnologia, reflexões são possíveis, sim. Eles são um puro exercício visual, uma experiência estética proposta pela artista para ser vivenciada por quem for visitá-los na Galeria Virgilio.
Nesses trabalhos, Renata Pedrosa busca um refluir da paisagem de São Paulo ao criar projeções ampliadas dos desenhos que faz da cidade, utilizando da sobreposição de suas diferentes vistas — encontradas em imagens apropriadas da Internet —, que dão a sensação de se estar caminhando no solo limpo, pisando o chão, sem que haja obediência alguma a comandos impositivos de operações políticas, próprias do lugar.
Na busca desse refluir da paisagem da cidade, antes inexplorada, uma imagem aérea, de 1958, de Paraisópolis, bairro que a artista compõe os frames da instalação Chão (projeção de vídeo sobre peças de gesso), que articula os outros cinco trabalhos expostos: Cidade Paraíso (desenhos); Ão Chão (vídeo e desenhos sobre papel quadriculado); Eletricidade (projeção sobre parede); Caixa-d’água (impressão sobre papel de outdoor) e Torres (objetos).
Os procedimentos formais que Renata utiliza para costurar sua narrativa do solo livre, porém agora tomado de construções diversas e problemáticas diversas estão assimilados nas coisas simples e cotidianas — palitos de fósforo, lâmpadas incandescentes, pequenas peças feitas de gesso, etc. — de que faz uso nos objetos que cria. Destituídos do rigor, na maneira como estão distribuídos pela Galeria, compondo com desenhos e vídeos, esses objetos são impressões da grande fragilidade social e econômica com que se sustentam alguns prédios e moradias de Paraisópolis em detrimento de outras construções robustas e grandiloquentes ao seu redor e sobre o mesmo chão.
A experiência do solo livre é válida para qualquer ponto da cidade, onde quer que se esteja na exposição.
São Paulo: uma cidade, um paraíso de grandes contradições culturais, sociais e econômicas que parecem não ter fim. Contando, Renata lança seu olhar e gesto para os quadros de desigualdade das relações humanas por entre estruturas fincadas sobre o solo circundante. Em seguida, dispõe tudo em frames que se repetem e se repetem...
Aqui vale dizer que, nesses trabalhos, o papel quadriculado de desenho é suporte para marcar não uma cartografia do caminho percorrido pela artista, mas para contar o solo sobre o qual tudo se ergue e se destrói simultaneamente por meio do sistema do capital que inventamos. Por séculos estamos enrolados nesse sistema...
A ação de repetir é, assim, traumática de algo que não pode ser representado, Lacan; aqui, são as sensações contidas no conto visual de Renata Pedrosa.
Com efeito, podemos imaginar Renata andando nas ruas de Paraisópolis em busca do que agora nos apresenta. Também é possível nos imaginarmos nessas ruas ou em qualquer outro ponto do País. O solo é sempre um.
O que dizer da imagem de uma caixa d’água destacada pela artista em papel de outdoor?
Lara Almacegui, na apresentação de seu Guia de terrenos baldios de São Paulo, proposto para a 27ª Bienal de São Paulo, diz: “Os terrenos baldios são lugares em que quase tudo é possível, porque neles não há nada, são lugares de possibilidade em que o cidadão pode se sentir livre”.
Talvez seja essa a mesma linha que flui do conto de Renata Pedrosa sobre a paisagem de São Paulo, mas foram os versos da música Chão, de Lenine, que provocaram na artista a vontade de “nomear” a possibilidade de o “cidadão se sentir livre” no chão de que faz uso.
ps: este texto é apenas o início de uma longa conversa com Renata.

Valquiria Farias